15 de janeiro de 2008

A HISTÓRIA DA ETERNIDADE | Camilo Cavalcante | 2003



Assista: http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=1890

A História da Eternidade: Um delírio de violência e miséria humana
Por Daniel Monteiro do Nascimento


“Tudo na vida é frágil. Tudo passa...”. Esse verso de Florbela Espanca sobre a tela negra somado a uma respiração ofegante e gemidos de dor que posteriormente se tornam gritos arrepiantes nos dão o tom de estranhamento e inquietude que permeia todo o curta-metragem A História da Eternidade, de Camilo Cavalcante. E tudo isso acontece antes mesmo de qualquer imagem ser projetada.
Camilo Cavalcante se supera a cada trabalho mostrando um vigor conceitual e estético resultado de um amadurecimento de uma linguagem poética e metafórica própria. Desde Cálice (1995), passando por O Velho, o Mar e o Lago (2000), Cavalcante busca a partir de uma construção alegórica, onde delírio de violência e miséria humana é combinado à crueldade cênica e agressividade estética.
Filmado em um único plano-sequência, A História da Eternidade é um exercício de inquietação estética e consciência artística. Dividido em pequenos esquetes que aparentemente não apresentam nenhuma relação, apresentam uma viagem dentro dos instintos humanos. A morte, o amor, a rivalidade, a curiosidade, a fome, a angústia, o prazer, tudo isso é arremessado para o espectador desde o primeiro esquete, onde após um parto agonizante um bebê nate morto é jogado aos cachorros. Essa cena notoriamente é a que deixa uma impressão mais forte, fato que não ofusca o restante do filme.
Após essa cena temos um esquete que expõe a fragilidade do amor. Um casal se separa devido à migração do amado. Em seguida, um inocente jogo de dominó revela a perversidade do vício, pois um homem ensangüentado amarrado a um poste, provável castigo por dívida de jogo.
A câmera não para de seguir os personagens, de uma forma aparentemente aleatória. Assim, a curiosidade de uns garotos nos leva cena de uma crueldade bestial. Um chiqueiro, um homem, uma mulher e uma relação de dominação sádica e animalesca. Essa mulher se submete a uma violência para poder comer dejetos deixados pelo homem.
A cena do cinema, onde está sendo projetado O Grande Ditador, de Charles Chaplin serve de passagem para a cena seguinte. Um homem mata e corta a ganganta de um cordeiro que está dependurado em uma árvore. Será que esse cordeiro é o “Cordeiro de Deus”, que tirará os pecados do mundo e terá piedade da humanidade, ou será o “Cordeiro de Deus”, que tirará os pecados do mundo, e nos dará a paz?
As cores do filme são quentes para retratar o crepúsculo sertanejo e a aridez do cenário, que formam os únicos fios condutores da narrativa fragmentada e elíptica. O fato de o filme ser um único plano-sequência exigiu não só uma preocupação extra em relação à direção de atores, como também uma notável utilização do espaço, e uma constante (re)definição deste ao longo do plano.
Apesar de não ser um recurso inovador na linguagem cinematográfica o fato do filme não apresentar cortes, remete a noção de linearidade que temos da História. Não podemos deixar de destacar que o filme termina propositalmente na imagem de alguém assistindo uma TV, cuja programação é o próprio início do filme. Isso estabelece uma relação de ciclo, o ciclo da eterna tragédia da vida humana.


Bibliografia

TOLEDO, Marcos. Camilo Cavalcante é ovacionado. Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/_1999/1506/cc1506b.htm. Acesso em: jan 08.
VERÍSSIMO, Fernando. A História da Eternidade, de Camilo Cavalcante. Disponível em: http://www.contracampo.com.br/56/historiadaeternidade.htm. Acesso em: jan 08.