THELASTNOTE.COM
Por Márcio Andrade
O cinema pernambucano encontra em Leo Falcão um exemplar diferenciado de representação da identidade nordestina, traduzido de maneira interessante em thelastnote.com, curta-metragem realizado em 2003 que conta com as atuações de Gustavo Falcão e Lázaro Ramos. Com roteiro do próprio Falcão, foi premiado no Cine PE pela trilha sonora assinada por DJ Dolores.
Centrado na estória de Collodi, o usuário de um site especializado em suicídios, e Lázaro, o criador e funcionário do serviço de suicídio a domicílio, o filme tece uma crítica universal sobre a desumanização da sociedade ante a maquinaria digital, que oferece todos os serviços que um indivíduo pode imaginar, ignorando as conseqüências morais e éticas de suas ações. Trazendo à tona o cinismo dos pós-modernos anos 90, Falcão traz questionamentos feitos por um homem que resida em Pernambuco, na Europa ou no Japão, o que torna sua obra perfeitamente compreensível e passível de identificação em qualquer destes lugares, o que o destaca da maioria dos cineastas pernambucanos. Enquanto a maioria destes opta por localizar e trazer o povo pernambucano em sua essência mais explícita, Falcão a dilui, aderindo a um cinema que se espelha numa estética hollywoodiana. Essa perda da identidade pernambucana devido aos meios globalizantes de comunicação se transpõe para a realidade fílmica por meio de uma “crise na representação” - que está diretamente ligada à destruição dos referenciais que, durante a Modernidade, norteavam a criação e análise de obras de arte.
A globalização e o individualismo inerentes ao mundo pós-moderno são inspiração clara para o conteúdo e a forma do curta. Ambos os personagens representam os dois lados conflituosos tanto da mente humana como da sociedade como um todo: RAZÃO X EMOÇÃO. Lázaro se adequa à sociedade que o construiu: impessoal, pragmática, homem que busca a competência na maneira de cumprir suas obrigações antes da realização pessoal; ao contrário de Collodi, que representa o que ainda resta de humanidade nesta outra face da moeda: inseguro, indeciso, humano. O clímax deste conflito se estende no telhado de Collodi, onde ele ainda pretende fazer parte da vida das pessoas mesmo que precise morrer para isso. Ele tem a pretensão – ao mesmo tempo egoísta e altruísta – de mudar a percepção das pessoas sobre a vida e a morte. O filme encerra, de maneira irônica, a jornada de Collodi e Lázaro, levando a crer que questões existenciais como vida e morte não encontram mais o mesmo espaço que tinham na Modernidade. Um discurso semelhante é proposto pelo curta de animação Na corda bamba, de Marco Buccini, mas que, ao invés da sátira, expõe de maneira poética essa realidade descompromissada com as emoções e uma possível mudança nesse paradigma. Em thelastnote.com, a realidade além das duas protagonistas não ganha grandes mudanças após sua morte, da mesma maneira com o espectador, que apenas acompanha o início de tudo: o anúncio do site proposto por Lázaro.
Mas será que o caráter múltiplo, policultural e hiperinformacional da pós-modernidade influenciaram de maneira positiva o cinema de Falcão ao observarmos que ele eleva o perfil do pernambucano e o torna universal? Ou é possível também verificar nesta maneira de representação um meio de apagar os rastros de identidade do pernambucano nesta representação deslocalizada no tempo, espaço, ação e personagens? Ambas as resoluções têm pontos positivos e negativos, mas para Pernambuco creio ser mais válido um cinema que possa espelhar o povo produz e reproduz essa cultura e não está ligado às formas homogêneas de realizar cinema no exterior, pois, como atestam os pós-modernistas, “todos os discursos são válidos”. Inclusive este.
Centrado na estória de Collodi, o usuário de um site especializado em suicídios, e Lázaro, o criador e funcionário do serviço de suicídio a domicílio, o filme tece uma crítica universal sobre a desumanização da sociedade ante a maquinaria digital, que oferece todos os serviços que um indivíduo pode imaginar, ignorando as conseqüências morais e éticas de suas ações. Trazendo à tona o cinismo dos pós-modernos anos 90, Falcão traz questionamentos feitos por um homem que resida em Pernambuco, na Europa ou no Japão, o que torna sua obra perfeitamente compreensível e passível de identificação em qualquer destes lugares, o que o destaca da maioria dos cineastas pernambucanos. Enquanto a maioria destes opta por localizar e trazer o povo pernambucano em sua essência mais explícita, Falcão a dilui, aderindo a um cinema que se espelha numa estética hollywoodiana. Essa perda da identidade pernambucana devido aos meios globalizantes de comunicação se transpõe para a realidade fílmica por meio de uma “crise na representação” - que está diretamente ligada à destruição dos referenciais que, durante a Modernidade, norteavam a criação e análise de obras de arte.
A globalização e o individualismo inerentes ao mundo pós-moderno são inspiração clara para o conteúdo e a forma do curta. Ambos os personagens representam os dois lados conflituosos tanto da mente humana como da sociedade como um todo: RAZÃO X EMOÇÃO. Lázaro se adequa à sociedade que o construiu: impessoal, pragmática, homem que busca a competência na maneira de cumprir suas obrigações antes da realização pessoal; ao contrário de Collodi, que representa o que ainda resta de humanidade nesta outra face da moeda: inseguro, indeciso, humano. O clímax deste conflito se estende no telhado de Collodi, onde ele ainda pretende fazer parte da vida das pessoas mesmo que precise morrer para isso. Ele tem a pretensão – ao mesmo tempo egoísta e altruísta – de mudar a percepção das pessoas sobre a vida e a morte. O filme encerra, de maneira irônica, a jornada de Collodi e Lázaro, levando a crer que questões existenciais como vida e morte não encontram mais o mesmo espaço que tinham na Modernidade. Um discurso semelhante é proposto pelo curta de animação Na corda bamba, de Marco Buccini, mas que, ao invés da sátira, expõe de maneira poética essa realidade descompromissada com as emoções e uma possível mudança nesse paradigma. Em thelastnote.com, a realidade além das duas protagonistas não ganha grandes mudanças após sua morte, da mesma maneira com o espectador, que apenas acompanha o início de tudo: o anúncio do site proposto por Lázaro.
Mas será que o caráter múltiplo, policultural e hiperinformacional da pós-modernidade influenciaram de maneira positiva o cinema de Falcão ao observarmos que ele eleva o perfil do pernambucano e o torna universal? Ou é possível também verificar nesta maneira de representação um meio de apagar os rastros de identidade do pernambucano nesta representação deslocalizada no tempo, espaço, ação e personagens? Ambas as resoluções têm pontos positivos e negativos, mas para Pernambuco creio ser mais válido um cinema que possa espelhar o povo produz e reproduz essa cultura e não está ligado às formas homogêneas de realizar cinema no exterior, pois, como atestam os pós-modernistas, “todos os discursos são válidos”. Inclusive este.
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THELASTNOTE.COM
Por Catarina Pires
O curta-metragem “TheLastNote.com” (2004), de Leo Falcão, traz como personagens o depressivo Gustavo Colodi (Gustavo Falcão), que encomendou os serviços do misterioso site thelastnote.com, e Lázaro (Lázaro Ramos), representante do referido site. O verdadeiro serviço prestado pelo site só é revelado no final do filme, quando o imaginário do espectador já foi bastante estimulado. Pouco a pouco, durante os catorze minutos de duração do curta, descobre-se que o thelastnote.com auxilia seus membros a fazerem o que eles querem, no referido caso, suicidar-se.
Gustavo fez a sua inscrição no site, deixando de ser visitante para se tornar um usuário. Assim, segundo as regras do site, ele teria de se suicidar, mas ele não está tão seguro desta decisão, o que leva Lázaro a ter de fazer um atendimento personalizado. Chegando ao apartamento de Gustavo, Lázaro encontra vários métodos possíveis para a realização do suicídio, como a corda amarrada ao teto, a banheira, as drogas, as pílulas, a navalha e inclusive o próprio prédio onde ele vive. Lázaro começa a perceber que na realidade Gustavo não quer cometer suicídio, embora este afirme o contrário.
Através de um enredo que prende o espectador à trama, “TheLastNote.com” faz uma crítica à atual sociedade de consumo e os males gerados por ela. Gustavo é, na realidade, um reflexo dessa sociedade, que supre as necessidades materiais do indivíduo, mas não as emocionais. Há neste modelo de agrupamento social uma ausência de preocupação com o íntimo das pessoas, com seus pensamentos, suas angústias e alegrias, embora a publicidade tente a qualquer custo fazer com que elas acreditem no contrário. Afinal, segundo ela, o produto ou o serviço foi criado pensando-se “exclusivamente em você”. Como se pode perceber no final do filme, quando é mostrada a propaganda do site, a linguagem é usada de maneira ardilosa na intenção de se persuadir determinado público, neste caso um público já fragilizado emocionalmente. Essa configuração de sociedade gera uma população problemática, com um frágil equilíbrio emocional, que leva as pessoas ou a um consumismo exacerbado na tentativa de suprir a falta de algo, ou a preferirem a morte a continuar fazendo parte desse mundo, desse sistema.
Se existem pessoas com essa fragilidade, por que não fazer disso um modo de gerar capital? Lázaro representa o típico capitalista moderno, que possui certa ética, ao ponto de saber que matar alguém é crime e não desejar fazê-lo, mas que para ganhar dinheiro, ou seja, em se tratando do seu negócio, ele pode ajudar as pessoas a se matarem. E caso elas não cumpram o estabelecido, ele faz então um atendimento personalizado, não na tentativa de ajudar o usuário, ou de tentar convencê-lo a fazer o contrário, mas apenas para assegurar que o seu negócio continue funcionando. E bem. Para isso, não pode haver desistência, pois tal atitude representaria uma insatisfação com o site por parte do usuário.
O curta mostra ainda como a internet se faz cada vez mais presente na vida das pessoas e como seus serviços a cada dia se tornam mais abrangentes. Hoje se pode comprar qualquer tipo de produto de qualquer lugar do mundo através da internet sem sair de casa. E a variedade de serviços vai do mais simples ao mais exótico. A internet nos auxilia em tudo, até mesmo na decisão de se matar. O filme é apenas uma sátira, mas quem garante que isso já não esteja disponível na rede?
Leo Falcão consegue criticar de maneira sutil a maneira como a atual sociedade se apresenta, mostrando o rumo que a população está tomando. É um filme que não deve ser visto apenas uma vez, pois a cada vez que é visto outros pontos ficam melhor esclarecidos.
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THELASTNOTE.COM
por Zandra Monteiro
O filme mostra, desde sua abertura, sobre que assunto vai tratar: tecnologia. E, quando você começa a pensar que será mais um “Matrix”, ele surpreende a todos com uma comédia que mostra a dependência do homem contemporâneo em relação ao mundo tecnológico.
A história se passa no edifício de Gustavo, homem que contratou um serviço via Internet e espera que este resolva todos os seus problemas que, segundo ele, não são poucos. A chegada de Lázaro no apartamento é envolta por mistério gerado tanto pela escuridão da cena quanto por não sabermos ao certo o motivo daquela visita ou mesmo a origem do serviço. O auge da apreensão do espectador acontece quando Lázaro busca na casa de Gustavo possíveis formas de matar: examina cuidadosamente uma navalha, comprimidos, cocaína, etc. O constante barulho de engrenagens aumenta a tensão: o que estaria aquele homem fazendo ali, enquanto Gustavo prepara o café?
Incrivelmente o sistema do site tem acesso a tudo: quantas vezes foi acessado, por quanto tempo, por quais possíveis motivos... Enfim, controle total sobre os usuários. A superioridade da tecnologia sobre o humano é mostrada quando, apesar do nervosismo de Gustavo, Lázaro toma calmamente o seu café e folheia um relatório, como se o outro lhe fosse indiferente.
O filme conduz de forma espetacular as emoções do espectador e o frustra, sem fazer com que ele perca o interesse, muito ao contrário: atiça a curiosidade sobre a próxima cena. Essa virada é percebida claramente quando somos tirados de um clima de tensão e mistérios, gerados pela confusa relação entre os dois homens, e lançados a uma atmosfera cômica na discussão sobre o suicídio de Gustavo, assunto geralmente discutido de forma tensa e que gera de forma óbvia uma reflexão.
Esse não tem certeza do que quer fazer, pois a morte não é vista por ele como uma forma de escapar dos seus problemas, mas como um meio de ficar conhecido, causar impacto. Como lhe falta coragem para prosseguir, ele pede que Lázaro o mate, e este afirma que isto seria assassinato e que ele somente “ajuda a fazer o que você quer, eu não faço por você”.
Todo esse conflito e mesmo racionalidade fria do sistema, que premedita a morte de uma outra pessoa como um serviço qualquer oferecido pela Internet, é resolvido por um simples “capricho” do acaso. Não adianta todos aqueles cálculos, possibilidades e análises, no fim, uma brisa conclui a questão com a morte de ambos. De forma inusitada, o filme acaba e nos deixa uma agradável sensação de incredibilidade cômica, mas também nos faz pensar sobre as possibilidades do viver.
O discurso final de Lázaro, transmitido pela televisão num comercial do serviço “TheLastNote.com”, defende que “o que realmente importa pode não ser o que você viveu, pode simplesmente ser o que você quis viver” e a possibilidade de recomeço para viver num mundo de sonhos e conquistas é oferecida por este serviço (entenda-se formas tecnológicas).
Através de clichês como as possíveis formas de morte e a famosa carta do suicida, o filme constrói uma nova forma de abordar a dependência do homem das facilidades oferecidas pelas tecnologias e como estas interferem nas decisões tomadas pelo ser humano, ao qual não é permitido que “volte atrás” em suas decisões. O sistema, após ser aceito por seu usuário, passa a controlá-lo e o trata como máquina, exigindo que se torne frio e preciso em suas escolhas. Quando o homem-usuário tenta romper com um acordo feito, é eliminado e arca com as conseqüências de ter acessado o sistema.
por Zandra Monteiro
O filme mostra, desde sua abertura, sobre que assunto vai tratar: tecnologia. E, quando você começa a pensar que será mais um “Matrix”, ele surpreende a todos com uma comédia que mostra a dependência do homem contemporâneo em relação ao mundo tecnológico.
A história se passa no edifício de Gustavo, homem que contratou um serviço via Internet e espera que este resolva todos os seus problemas que, segundo ele, não são poucos. A chegada de Lázaro no apartamento é envolta por mistério gerado tanto pela escuridão da cena quanto por não sabermos ao certo o motivo daquela visita ou mesmo a origem do serviço. O auge da apreensão do espectador acontece quando Lázaro busca na casa de Gustavo possíveis formas de matar: examina cuidadosamente uma navalha, comprimidos, cocaína, etc. O constante barulho de engrenagens aumenta a tensão: o que estaria aquele homem fazendo ali, enquanto Gustavo prepara o café?
Incrivelmente o sistema do site tem acesso a tudo: quantas vezes foi acessado, por quanto tempo, por quais possíveis motivos... Enfim, controle total sobre os usuários. A superioridade da tecnologia sobre o humano é mostrada quando, apesar do nervosismo de Gustavo, Lázaro toma calmamente o seu café e folheia um relatório, como se o outro lhe fosse indiferente.
O filme conduz de forma espetacular as emoções do espectador e o frustra, sem fazer com que ele perca o interesse, muito ao contrário: atiça a curiosidade sobre a próxima cena. Essa virada é percebida claramente quando somos tirados de um clima de tensão e mistérios, gerados pela confusa relação entre os dois homens, e lançados a uma atmosfera cômica na discussão sobre o suicídio de Gustavo, assunto geralmente discutido de forma tensa e que gera de forma óbvia uma reflexão.
Esse não tem certeza do que quer fazer, pois a morte não é vista por ele como uma forma de escapar dos seus problemas, mas como um meio de ficar conhecido, causar impacto. Como lhe falta coragem para prosseguir, ele pede que Lázaro o mate, e este afirma que isto seria assassinato e que ele somente “ajuda a fazer o que você quer, eu não faço por você”.
Todo esse conflito e mesmo racionalidade fria do sistema, que premedita a morte de uma outra pessoa como um serviço qualquer oferecido pela Internet, é resolvido por um simples “capricho” do acaso. Não adianta todos aqueles cálculos, possibilidades e análises, no fim, uma brisa conclui a questão com a morte de ambos. De forma inusitada, o filme acaba e nos deixa uma agradável sensação de incredibilidade cômica, mas também nos faz pensar sobre as possibilidades do viver.
O discurso final de Lázaro, transmitido pela televisão num comercial do serviço “TheLastNote.com”, defende que “o que realmente importa pode não ser o que você viveu, pode simplesmente ser o que você quis viver” e a possibilidade de recomeço para viver num mundo de sonhos e conquistas é oferecida por este serviço (entenda-se formas tecnológicas).
Através de clichês como as possíveis formas de morte e a famosa carta do suicida, o filme constrói uma nova forma de abordar a dependência do homem das facilidades oferecidas pelas tecnologias e como estas interferem nas decisões tomadas pelo ser humano, ao qual não é permitido que “volte atrás” em suas decisões. O sistema, após ser aceito por seu usuário, passa a controlá-lo e o trata como máquina, exigindo que se torne frio e preciso em suas escolhas. Quando o homem-usuário tenta romper com um acordo feito, é eliminado e arca com as conseqüências de ter acessado o sistema.
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